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| Drª Debora de Castro da Rocha |
A rescisão de contratos de compra e venda de imóveis em
loteamentos urbanos sempre foi objeto de intensos debates jurídicos, sobretudo
pela ausência de regras claras antes da edição da Lei 13.786/2018, conhecida
como Lei do Distrato. Até então, a Lei 6.766/1979 previa a irretratabilidade
desses contratos (art. 25), o que, em tese, inviabilizava a desistência
unilateral do adquirente.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
contudo, mitigava essa rigidez com fundamento no Código de Defesa do Consumidor,
especialmente no art. 53, admitindo a resolução contratual mediante retenção de
parte dos valores pagos, geralmente entre 10% e 25%, como forma de compensar os
prejuízos do vendedor, a exemplo do que foi decidido no REsp 1.300.418/SC,
relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão.
Com a entrada em vigor da Lei 13.786/2018, o regime jurídico
dos distratos foi substancialmente alterado. O novo art. 26-A da Lei 6.766/1979
passou a prever expressamente a possibilidade de rescisão, estabelecendo
parâmetros objetivos para a retenção de valores. Entre eles, destacam-se a
cláusula penal de 10% sobre o valor atualizado do contrato (§1º, I) e a taxa de
fruição de até 0,75% ao mês sobre o valor atualizado do contrato (§1º, II),
aplicável inclusive em lotes não edificados.
Foi nesse contexto que a Quarta Turma do STJ analisou um
contrato firmado em 2021, no qual o comprador, após pagar pouco mais de R$ 6
mil de um total de R$ 111 mil, desistiu do negócio. A vendedora aplicou a multa
contratual e a taxa de fruição, o que foi questionado judicialmente. Tanto o
Tribunal de Justiça de São Paulo quanto o STJ mantiveram a legalidade das
retenções. A relatora, Ministra Isabel Gallotti, destacou que a Lei do Distrato
autoriza a cumulação das penalidades, independentemente de o lote estar
edificado, e que não há afronta ao art. 53 do CDC, uma vez que não se trata de
perda integral das parcelas pagas, mas de descontos previstos em lei. Ressaltou
ainda que, no caso concreto, o valor pago sequer foi suficiente para cobrir a
multa e a taxa, razão pela qual não houve devolução ao comprador.
O acórdão estabelece que a taxa de fruição pode ser exigida
mesmo em lotes não edificados, afastando a necessidade de comprovação de uso
efetivo do bem, e confirma a possibilidade de cumulação de penalidades, desde
que respeitados os limites percentuais fixados em lei. Esse entendimento tende
a reduzir divergências entre tribunais estaduais e a oferecer maior segurança
jurídica às partes envolvidas.
A decisão da Quarta Turma do STJ ao admitir a retenção
simultânea de multa contratual e taxa de fruição em contratos de compra e venda
de lotes não edificados, estabelece critérios objetivos para a resolução
contratual, reforça a importância da observância estrita da legislação vigente,
visando contribuir para a estabilidade das relações contratuais, sem afastar a
proteção ao consumidor prevista no CDC.
debora@dcradvocacia.com.br
Foto: Divulgação.

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